Encontro
reuniu representantes da sociedade civil e especialistas para refletir sobre
saídas possíveis para a atual crise socioambiental. Crítica passa pela
desconstrução de elementos constitutivos do capitalismo
O
conceito de desenvolvimento como é entendido no senso comum atual é limitado ao
crescimento econômico, deixando de lado questões ambientais e levando a
humanidade para um caminho que pode inviabilizar a vida no planeta. Esse foi o
principal eixo das discussões realizadas no Seminário “Novos modelos de
desenvolvimento e caminhos para a convivência socioambiental”, realizado pelo
Observatório da Sociedade Civil em parceria com a Abong, em Recife, na última
terça-feira (11/11). O evento teve apoio da Fundação Ford.
“A
humanidade está caminhando na direção da não-sustentabilidade”, resumiu o
diretor-executivo da Abong Ivo Lesbaupin, que participou da mesa “Para além do
desenvolvimento”. “Os responsáveis pela reprodução desse modelo
produtivista-consumista não querem parar de produzir e de vender, sem
considerarem os limites do planeta”, concluiu.
Para
Guilherme Carvalho, da Fase – Federação de Órgãos para Assistência Social e
Educacional e do Fórum da Amazônia Oriental, a crítica ao modelo atual passa
pela desconstrução de elementos constitutivos do capitalismo, como a noção de
progresso, a transformação da ciência em um instrumento de dominação e a ideia
de que os seres humanos não fazem parte da natureza, mas devem dominá-la. “Por
isso indígenas, ribeirinhos, quilombolas e povos originários se tornaram os
principais inimigos do modelo capitalista hoje, porque são a prova de que
existem outras maneiras de sobrevivência, com uma relação diferenciada com a
natureza”, afirma.
“Na
Amazônia, a questão central é a disputa por territórios. De um lado, estão
povos originários, quilombolas e ribeirinhos. Do outro, está o Estado nacional,
o Judiciário, a mídia e as empresas transnacionais, que querem conectar novos
territórios ao mercado globalizado”, diz. Guilherme afirma ainda que decisões
autoritárias e violações de direitos são condições necessárias para a
reprodução deste modelo, bem como o enfraquecimento da democracia e a
“despolitização da política”. “A política tem que se tornar para os pobres algo
muito chato e os meios de comunicação atuam por essa despolitização”, sustenta.
O
fundador do Instituto Arapoty Kaká Werá trouxe ao seminário um relato a
respeito do modo de vida e visão de mundo dos povos indígenas brasileiros. Ele
explicou que, para as culturas ancestrais, a relação com cada bioma da natureza
transmite conhecimentos e valores. Nesse contexto, desenvolvimento é a visto
com uma evolução pessoal em relação a estes valores.
“Vejo
dois modelos de desenvolvimento em curso. Um que impõe o consumo pelo consumo e
a exploração. E o indígena, que eu chamo de ‘modelo de desenvolvimento
ancestral’, que considera que somos parte de um todo, parentes da natureza.
Desenvolvimento não significa ter mais, mas evolução de valores e saberes”,
defende.
A
mesa “A questão da energia no Brasil de hoje” aprofundou o debate a respeito
das opções de política energética adotadas pelo Estado brasileiro e suas
consequências para as populações atingidas.
Para
Heitor Scalambrini, professor associado da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), há falta de planejamento do governo nessa questão, especialmente por
deixar de lado o investimento em fontes renováveis de energia. “A proposta é
simplesmente ofertar energia, sem pensar em diversificar as fontes. O plano de
expansão energética até 2030 e os planos decenais são os documentos que
norteiam a política energética e eles mostram que o governo não prioriza as
fontes renováveis, que recebem menos de 10% dos investimentos planejados”,
analisa.
Ele
defende a descentralização e a democratização do planejamento a respeito do
tema. “Não tem sentido os caras lá em Brasília decidirem o que a gente vai
consumir e como a gente vai produzir energia no sul ou no nordeste. E não há a
sociedade civil envolvida nisso também. Falta democratização da política
energética. Nós estamos na época da ditadura ainda nessas questões”, afirma.
O
impacto dessa falta de participação social foi amplificado pelo relato de
Rafael Dias, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, do Núcleo Tramas, da
Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do conflito de Santa Quitéria
(CE), que falou sobre as populações atingidas pela política energética
brasileira. Ele destacou, em especial, o caso dos parques eólicos no Ceará, que
causaram enorme impacto na vida de muitas pessoas.
“É
impossível entender a questão energética no Brasil se a gente não compreende o
modelo de desenvolvimento adotado. A gente não pode pensar nenhuma matriz
energética que desconsidere as populações que vivem nos locais onde estas serão
instaladas. É fundamental fortalecer a inclusão desses sujeitos sociais nos
relatórios e estudos”, defende.
O
encerramento do Seminário se deu com a mesa “Sustentabilidade na prática”, que
trouxe três experiências diferentes de práticas alternativas ao modelo
hegemônico. Eduardo de Paula, do Movimento Nacional de Catadores, apresentou a
história do Movimento, que por meio de mobilização e organização conseguiu
notáveis avanços no combate ao preconceito e no reconhecimento da importância
da categoria na construção de cidades mais sustentáveis.
Débora
Rodrigues, da Vida Brasil e representante da Bahia na coordenação do Fórum
Nacional de Economia Solidária e no Fórum Estadual, falou sobre os avanços e
desafios do Movimento Nacional de Economia Solidária. Ela destacou que, além de
proporcionar geração de renda e inclusão social por meio de um modelo de
produção controlado pelos/as próprios/as trabalhadores/as, as experiências
estão fortemente ligadas à realidade de cada empreendimento, ampliando o
alcance das mudanças.
Rodrigo
Gravina, do Instituto Sócioambiental (ISA), apresentou a experiência da Rede
Sementes do Xingu, que mobilizou comunidades indígenas e agricultores/as da
região ao redor do Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso, para possibilitar
o reflorestamento da área com espécies nativas. Os/as indígenas recolhem as
sementes e vendem para os/as agricultores/as, promovendo assim uma maior
integração entre os povos.
Fonte: Observatório da Sociedade Civil
Fonte: Observatório da Sociedade Civil
http://www.abong.org.br/noticias.php?id=8111