>>OS NÚMEROS DA
CORRUPÇÃO
O jornalismo envergonhado
A semana do grande escândalo se encerra em tom de
anticlímax, com os jornais informando que a Justiça encontrou apenas 7% do que
esperava bloquear nas contas dos acusados no escândalo da Petrobras.
O rastreamento do dinheiro em bancos da Alemanha,
Canadá, China, Estados Unidos, Holanda, Uruguai e conhecidos paraísos fiscais
encontrou contas zeradas e apenas R$ 47,8 milhões, dos R$ 720 milhões estimados
pela contabilidade da investigação.
Perde impacto, portanto, a principal expectativa
criada pela imprensa em torno do caso que envolve as maiores empreiteiras do
País.
Por outro lado, os jornais seguem manipulando dados
do esquema de corrupção no campo partidário.
A tentativa de concentrar as acusações no núcleo
governista ganha um caso patético na reportagem publicada pela Folha de S.
Paulo nesta sexta-feira (21), sob o título "Dono da UTC tinha contato
com pessoas ligadas a PT e PSDB" (ver aqui).
Lá no pé do texto, o leitor paciente vai ficar
sabendo que um desses contatos era com um ex-executivo do Banco Itaú que
coletou doações da empreiteira para a candidatura do senador Aécio Neves
(PSDB-MG) à Presidência da República.
No dia anterior, a edição digital da Folha-UOL
tinha publicado outro texto (ver aqui) com o seguinte
título: "Doações de investigadas na Lava Jato priorizam PP, PMDB, PT e
oposição".
Ali, o principal destaque vai para parlamentares de
menor expressão nacional, como três deputados do Partido Progressista eleitos
no Paraná, além de citação à senadora Katia Abreu (PMDB-TO), que trocou recentemente
a oposição pela bancada governista.
O levantamento se concentra nos partidos da base
aliada, e deixa em segundo plano, no rodapé, figuras mais representativas, como
as do senador José Serra e Antônio Anastasia, ex-governador de Minas Gerais, ambos
do PSDB, além do deputado federal Ronaldo Caiado e seus colegas recém-eleitos
José Carlos Aleluia, Alberto Fraga e Alexandre Leite, todos do Democratas.
Alguém pode imaginar um título como "Aécio
Neves foi financiado por empresas investigadas na Lava Jato"? Ou
"José Serra também recebeu doações de empreiteira na Lava Jato"?
A jogada da Folha de S. Paulo chega a ser
ridícula, mas pior ainda é a edição dos outros jornais, ao omitir completamente
a informação que a Folha tenta esconder, numa espécie de jornalismo
envergonhado.
Os números da corrupção
É errado levantar suspeitas sobre todas as doações
de campanha, mas sem o viés partidário que domina a mídia tradicional no
Brasil, qual seria a prática mais coerente com o bom jornalismo?
Em condições normais de sanidade nas redações, o
principal destaque iria para os nomes mais vistosos.
Portanto, Aécio Neves, José Serra e Antônio
Anastasia seriam citados na abertura do texto, porque atrairiam mais
curiosidade do leitor.
Por que, então, eles aparecem apenas no rodapé?
Porque os editores sabem que não podem deixar de
publicar toda a lista que lhes caiu nas mãos, mas também não desconhecem que,
nas redes sociais, a maioria só vai ler o cabeçalho da reportagem.
No mais, o noticiário desta sexta-feira (21) traz
apenas relatos quase burocráticos com informações, declarações e dados colhidos
seletivamente na rotina de vazamentos feitos pela polícia.
Sem revelações bombásticas, a semana chegaria ao
fim laconicamente, não fosse um corajoso artigo publicado também na Folha de
S. Paulo pelo empresário Ricardo Semler (ver aqui), que nos anos 1980 se
celebrizou por implantar em sua indústria, de maneira radical, os conceitos de
gestão democrática e reengenharia corporativa.
Filiado ao PSDB há muitos anos, Semler conta que a
empresa que herdou do pai, a Semco, deixou de vender equipamentos navais à
Petrobras desde os anos 1970, porque era impossível fazer negócios com a estatal
sem pagar propina.
Além disso, observa, "o que muitos não sabem é
que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis
multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras".
Semler lembra que em anos anteriores a corrupção
roubava 5% do Produto Interno Bruto do Brasil; esse índice caiu para 3,1% e
agora é calculado em 0,8% do PIB.
"Onde estavam os envergonhados (que fazem
passeatas) nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão - cem vezes mais do
que o caso Petrobras - pelos empresários?", questiona.
A novidade, de acordo com o articulista, é que os
porcentuais da propina caíram, o que, segundo ele, justifica o título
instigante do artigo: "Nunca se roubou tão pouco".
Está aí uma boa pauta para as edições de domingo.
Por
Luciano Martins Costa
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/radios/view/gt_gt_o_jornalismo_envergonhado_lt_br_gt_gt_gt_os_numeros_da_corrupcao
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