Nem só de escândalos vive o país. Há
uma sociedade viva pulsando, que se movimenta diariamente e nos mostra o
caminho para a construção de um país melhor.
O Brasil
tem muito a avançar no combate às injustiças sociais. Por mais que tenhamos
dado passos nos últimos anos e a miséria tenha diminuído no país, há um longo
caminho a percorrer ainda.
Os segmentos democráticos da sociedade – felizmente a ampla maioria - apostam
no debate político e no convencimento para impulsionar as mudanças. Já passou o
tempo em que a direita apelava para golpes de estado, supostamente para
defender a democracia, e obtinha algum eco, mesmo que minoritário. Hoje, as
iniciativas defendendo esse caminho são apenas patéticas.
A onda de denúncias que tomam as páginas dos jornais não pode ter como
consequência o esvaziamento da política e o fortalecimento de opções
autoritárias, em nome do combate à corrupção. A apuração deve ir a fundo e a
Polícia Federal e o Ministério Público – como órgãos de Estado que são – devem
prosseguir seu trabalho sem a preocupação de injunções políticas, o que nem
sempre ocorreu, diga-se.
Apesar dos percalços e de muitas decepções com o que está vindo à tona, é
preciso olhar as coisas também por outro ângulo: passada a tempestade, apurados
os fatos e punidos os que cometeram crimes, na forma da lei, o país sairá
melhor dessa crise – como, aliás, afirmou recentemente a presidente Dilma
Roussef.
Mas, não só de escândalos de corrupção vive o país. Há uma sociedade viva, que
se movimenta e nos mostra o caminho para a construção de um país melhor.
Dois fatos recentes que atestam essa afirmação.
O primeiro, a reação da sociedade civil à escandalosa decisão do Judiciário de
condenar a funcionária do Detran Luciana Tamborini ao pagamento de uma multa de
R$ 5 mil ao juiz João Carlos de Souza Corrêa. Seu crime: ter dito que João
Carlos podia ser juiz, mas não era Deus. O caso é sobejamente conhecido dos
leitores e, por isso, vou poupá-los de detalhes.
Mas quero registrar aqui a reação da sociedade civil à decisão, eivada de
corporativismo, da juíza que examinou o caso na primeira instância,
posteriormente confirmada pelos desembargadores que compõem a 14ª Vara Cível.
Por iniciativa da advogada paulista Flávia Penido foi criada uma campanha na
internet para arrecadar recursos para ajudar Luciana. Em menos de 48 horas
foram arrecadados mais de R$ 28 mil. O montante foi repassado à agente do
Detran, que continuará recorrendo a outras instâncias na Justiça, mas guardará
R$ 5 mil para a hipótese de ter que pagar a multa. O excedente será doado a
instituições de caridade.
Foi um tapa de luva de pelica no Judiciário.
Mas foi também uma forte demonstração de que a sociedade civil está viva.
O segundo evento a registrar ocorreu no dia 31 de outubro, na região do Jardim
Catarina, um dos maiores e mais pobres bairros de São Gonçalo, na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro: a ocupação de um terreno de 60 mil metros
quadrados, que estava abandonado há mais de 30 anos, servindo apenas de
depósito para entulho. Centenas de famílias, organizadas pelo Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST), vítimas de aluguéis abusivos e sem ter onde
morar, se estabeleceram no local, batizando a ocupação de Zumbi dos Palmares.
Mesmo sob a ameaça de violência, as famílias se mantiveram firmes e receberam o
apoio de parlamentares, figuras públicas, artistas e da sociedade em geral.
No sábado, dia 8 de novembro, foi realizado um ato ecumênico com lideranças
religiosas católicas, evangélicas e de matriz africana em apoio àquela luta. No
dia seguinte, houve um animado sarau, com jongo, fanfarra, rap, exposição
fotográfica e oficinas.
Na quarta-feira seguinte, finalmente, foi firmado um acordo entre a prefeitura
de São Gonçalo, a Secretaria da Presidência da República e MTST para a
construção de mil unidades habitacionais no projeto Minha Casa Minha Vida, num
terreno a ser indicado pela prefeitura e adquirido pelo governo federal.
A desocupação do terreno, na noite de quarta-feira seguinte, depois de 12 dias,
foi festiva e pacífica, culminando com uma grande marcha e fogos de artifício.
A luta dos trabalhadores sem teto foi decisiva para um desfecho feliz. Mas ela
não teria sido vitoriosa se não tivesse contado com o apoio de quem via aquela
ocupação como um movimento justo.
Episódios como esse – e como o que envolveu o juiz da carteirada - mostram que
a sociedade está viva.
Este é o maior trunfo para que mudanças aconteçam e possamos construir um país
mais justo, mas fraterno e mais democrático.
Por Wadih Damous - Advogado
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-sociedade-civil-esta-viva/4/32278
Nenhum comentário:
Postar um comentário