terça-feira, 9 de agosto de 2011

INTERVENÇÃO-ESTADUAL - matéria

INTERVENÇÃO-ESTADUAL

Para surpresa alagoana, o Tribunal de Contas de Alagoas requereu ao Governo do Estado a intervenção na administração deste município. O motivo da representação seria a não-apresentação das contas referentes ao ano de 2004 e também o não-ajuizamento da ação judicial, até 30/04, o prazo legal.
O TC/AL cumpre a determinação do artigo 71, inciso XI, da Constituição brasileira. O instituto político-jurídico da intervenção tem origem na Constituição estadunidense de 1789. Lá a intervenção tem como característica ser “cláusula de garantia” da ordem constitucional.
No Brasil, a Constituição de 1891, previa a intervenção da União no estado-membro e a Constituição de 1934 acrescentou a possibilidade do estado-membro intervir no município. Por quê? Porque os estados-membros, o Distrito Federal e os municípios integram à federação brasileira. Mas, territorialmente, os estados-membros e o Distrito Federal integram à União e os municípios integram ao respectivo estado-membro.
Ensina Pontes de Miranda que a intervenção é “medida de proteção da Estrutura do Estado, da Constituição”, seu documento de existência formal. A intervenção tem a finalidade de salvaguardar os interesses do conjunto federalista da administração pública e dos respectivos munícipes, “quando falha a ação dos governantes locais”, afirma Hely Meirelles.
A intervenção é gênero das espécies intervenção-federal, que é a intervenção da União no estado-membro ou no Distrito Federal e intervenção-estadual, que é a intervenção do estado-membro no município.
A intervenção-estadual é o quê? É “medida excepcional de caráter corretivo político-administrativo”, sendo o resultado de um conjunto de medidas em que o estado-membro obriga ao município cumprir o seu deveres legais e a respeitar os princípios constitucionais da estrutura federativa e da própria administração pública.
A decretação da intervenção é ato administrativo vinculado. Deve ser praticado sempre que ocorram algumas das hipóteses do artigo 35 da Cb e só naqueles casos. Todavia, a operacionalização da intervenção-estadual é ato administrativo discricionário, podendo o governador examinar a conveniência e a oportunidade de algumas medidas para executar a intervenção. Essas medidas podem ser aferidas quanto à discricionariedade da nomeação do interventor, prazo, condições e amplitude do ato interventivo.
No dizer de Pinto Ferreira, a intervenção-estadual é “uma medida de ordem político-jurídica a fim de preservar a ordem Constitucional” desrespeitada pelo município. Mas não tem caráter punitivo.
A natureza-jurídica da intervenção-estadual tem aspecto misto. No falar de João Monteiro, a intervenção-estadual é uma medida “em parte, política; em parte, administrativa. É política porque visa à proteção da estrutura do Estado. É administrativa porque constitui ‘execução especial’, cujo objetivo imediato é oferecer proteção à organização e ao funcionamento” da estrutura do município e mediato ao próprio estado-membro interventor.
Os pressupostos materiais da intervenção-estadual estão postos na Cb, em seu artigo 35, incisos de I a IV. Dentre esses pressupostos, encontra-se o da não-prestação de contas no prazo legal (atualmente 30/04 de cada ano); não-execução dos percentuais das receitas vinculadas, como as da educação e as da saúde; não-observância dos princípios constitucionais, em especial, os norteadores da administração-pública, como a contratação de servidores sem-concurso público ou compras sem-licitação. Também a-não disponibilidade da prestação de contas à população, durante todo o ano, pode se configurar como um desses pressupostos.
O artigo 70 da Cb exige a prestação de contas a qualquer pessoa que movimente recursos públicos. Por “contas” entenda-se o conjunto de documentos públicos que dêem evidência de como estão ou foram usados o patrimônio e os recursos públicos. Assegura-nos, pois, os princípios da transparência e da probidade administrativa.
O dever de prestar contas não é nenhuma novidade e é um dos basilares princípios republicanos. Em 1789, a Declaração dos Direitos Humanos já dizia que o povo tem o direito de pedir contas a todo agente público. No entanto, mesmo 216 anos após essa idéia virar obrigação e ser positivada em norma, muitos gestores ainda não a obedece. Aliás, em A Política, Aristóteles, já falava na exigência de prestação de contas e no necessário controle social dos gastos públicos.
Mas, a intervenção-estadual é contra quem? Ela atinge à administração pública municipal e não à pessoa-física do gestor. O artigo 71 da Cb deixa claro que a responsabilidade político-administrativa pela prestação das contas é do município, sendo responsabilidade da pessoa-física que estiver gerenciando ao se vencer o respectivo prazo.
No caso de São Sebastião, a responsabilidade é do próprio Município, na pessoa do atual prefeito Zé Pacheco. Em virtude de sua dupla omissão, poderá vir a intervenção-estadual. O Prefeito teria que fazer a prestação de contas de 2004 ou ajuizar ação judicial, denunciando o ex-prefeito Sertório Ferro por não ter deixado os respectivos documentos.
A intervenção-estadual pode ser “decretada numa determinada administração a partir de fatos ocorridos numa gestão passada”, diz Luiz Arcoverde, pois o dever-jurídico de prestar contas é do ente público e não da pessoa-física do gestor.
Todavia, a responsabilidade pessoal pela boa ou má utilização do patrimônio ou dos recursos púbicos é do gestor do respectivo período. De 2004, do ex-prefeito daqui e ex-Diretor-geral do TC/AL, Sertório ferro. Em havendo mudança de pessoa-física do gestor, “a obrigação de prestar contas é transferida para aquele gestor que se encontra à frente dos negócios administrativos do município”, afirma Kildare Gonçalves.
No entanto, essa “transferência” do dever de fazer a prestação de contas não-gera para o atual gestor responsabilidades civil e criminal, mas tão-somente responsabilidade político-administrativa. O gestor afastado pela intervenção-estadual não perde o mandato e nem o salário, e nem poderá ser substituído pelo vice-prefeito. Esse afastamento não tem natureza punitiva, como no caso de cassação do mandato pela Câmara Municipal ou perda do cargo em razão de sentença.
A intervenção-estadual, em seu aspecto mais amplo, o chamado Ciclo Interventivo Factual “começa com a representação de qualquer cidadão ou entidade denunciando as irregularidades e solicitando a intervenção-estadual e estende-se até quando não mais persistam os motivos que a ensejaram, conforme entendimento do órgão interventor ou sentença judicial”, no dizer de Valdecir Fernandes Pascoal.
Por que a intervenção-estadual, se acontecer e o conseqüente afastamento do prefeito Zé Pacheco? Porque há tempos havia alertas para erros, políticos e administrativos, em que ele tem incorrido. Políticos, quando não cumpre compromissos políticos-eleitorais e administrativos, quando já trilha pelos campos da improbidade-administrativa, também por descumprir as leis e, em especial, as constituições, Federal e Estadual.
Como já se alertava, até antes mesmo da posse, caso o ex-prefeito Sertório Ferro não deixasse os documentos públicos para “montar” ou fazer a prestação de contas de 2004, o atual gestor deveria tê-lo responsabilizado judicialmente e dentro do prazo (30/04), evitando ser atingido pelo afastamento e também pelo artigo 1º, incisos VI e VII, do Decreto-lei nº 201/67, com as já “admissão de servidores municipais sem concurso público ou a realização de despesas sem licitação”.
Nesses casos, o TC/AL também pode voltar a chamar o Governador, motivando ao menos o “rolar das pedras”, em um flechado São Sebastião construído por más gestões públicas.
A legitimidade para representar ou denunciar as falhas da administração-pública e solicitar a correspondente intervenção-estadual cabe a qualquer pessoa ou entidade, sendo que muitas dessas entidades ou pessoas têm um poder-dever de agir e não apenas uma faculdade. Em casos de irregularidades em municípios alagoanos, o TC/AL tem o dever de tomar as providências que lhe cabem e, também, solicitar a intervenção-estadual ao governador do momento. Não fosse a omissão do TC/AL, os pedidos de intervenção-estadual eram constantes e de há muito feitos.
O ato administrativo da intervenção-estadual está sujeito a controle-social. Esse controle pode ser político ou jurisdicional. O controle-político será exercido pela Assembléia Legislativa e o controle-jurisdicional pelo Poder Judiciário. A intervenção-estadual é controlada e não fica a bel-prazer do governador.
Indaga-se qual a motivação para o TC/AL agir, agora, tão rapidamente? A omissão ou conivência daquele órgão ficou escancarada à sociedade. Destarte, a razão político-fiscalizatória para o TC/AL formular o pedido de intervenção-estadual tem aspectos subjetivos e objetivos. Subjetivamente, estaria na resposta a “ações externas” recentes. As ações externas seriam as prisões de vários guabirus pela Polícia Federal, em razão de roubo dos dinheiros públicos, quando muitas dessas respectivas prestações de conta receberam parecer favorável do TC/AL. Daí a pecha de “tribunal de faz-de-conta”, no dizer de muitos. Objetivamente, originou-se na omissão dos atuais prefeitos, reeleitos ou novatos. Omissão da qual, agora, o TC/AL procura fugir às carreiras.
Não fossem as omissões dos d’aqui e dos de-lá, com certeza, São Sebastião teria outra-administração e estaria muitíssimo melhor, em seus 45 anos de autonomia.
São Sebastião, inverno, 2005.

> José Paulo do Bomfim é integrante da Organização Não-governamental de Olho em São Sebastião, que realiza o “Curso de Noções sobre Administração Pública Municipal”; texto escrito em 1999, para o “Curso de Cidadania” da ABRAÇO/AL e atualizado em 05/2005; e-mail: ongdeolhoss@bol.com.br

PS.: O pedido de intervenção do TC/AL recebeu parecer favorável da Procuradoria-geral do Estado. O Governador convocou e designou reunião do Conselho de Estado, que estaria, inclusive, também irregular, conforme informação do possível membro Mendes de Barro. Entre o pedido de intervenção e a reunião do Conselho de Estado, todos os municípios prestaram as contas.
No caso de São Sebastião, as contas foram prestadas de forma “incompleta”, havendo o prefeito Zé Pacheco alegado que não localizou os documentos referentes às despesas efetuadas por Sertório Ferro. O pedido de intervenção foi “ajeitado politicamente”, mesmo havendo outras irregularidades. Em vários entendimentos, a intervenção só deixaria de existir quando as contas recebessem parecer do favorável do TC/AL ou até fossem aprovadas pela respectiva Câmara Municipal. Em 22/05/2005, a ABRAÇO/AL remeteu ofícios ao Governador e ao TC/AL informando-os de outros possíveis irregularidades e aditando ao pedido de intervenção. - Paulo Bomfim

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