Iniciei
a vida no mundo rural e após a minha vida profissional rural - um agricultor
jovem – chego ao mundo urbano belorizontino.
Lá fui ser pequeno jornaleiro. Então,
andava por ruas e avenidas, praças e construções - empresas também. Vendia o jornal Estado de Minas, nas
manhãs, de sábado a domingo, e o Diário da Tarde, nas tardes, de terça a sexta
e na manhã das segundas-feiras.
Depois,
já jornaleiro, na banca de jornais "Parque", então na Av. dos
Andradas, quase debaixo do viaduto Santa Tereza, às margens do Rio Arruda, e
depois na "Brito", ainda existente na Av. Alfredo Balena, no
centro ou no atual “centro ‘ampliado’ de Belo Horizonte".
Naqueles tempos, conheci
e passei a vender o jornal Folha de São Paulo, dentre outros, como o Última Hora
e o Notícias Populares. Era o final da década de 70 e inícios dos anos 80.
Durante
os anos 80, já lia grandes reportagens e pequenos textos do colunista e jornalista Gilberto Dimenstein, que chamava de “Dimenstei”. No Imaco, bom
colégio então existente dentro do Parque Municipal Américo Renné Giannetti, o
professor de matemática Marco Aurélio, ensinava-me: “pronuncie para ‘eu fazer’
e não para ‘mim fazer’, assim manda o bom português”. Ora, eu nada entendia,
apesar de já ser papai, de tu, Gláucio Bomfim.
Certo
momento falei com o professor Marco Aurélio, também psicólogo, que vivia em
cisgênero sua homossexualidade, sobre um texto do Gilberto “Dimenstei” que
falava sobre a infância e a adolescência.
Ele, então, disse-se: “pronuncie Gilberto
‘Dimenstáin’, você venderá mais jornal”. Escreveu isso no quadro. Hoje lousa,
mas até hoje não sei português bem e menos ainda sei pronunciar nomes
estrangeiros. Mesmo não sabendo falar Dimenstáin, dele li uns 3 livros, além de diversos textos jornalísticos.
Como
as ações e a magreza de Betinho pôs a fome velha em evidência, Dimenstein teve a força de pôr
o descaso para com a infância e a adolescência no “debate público”, mesmo assim
as situações das juventudes ainda são praticamente invisíveis. É só olharmos as
prestações de contas e antes delas, as omissões de atuares governamentais e legislativos.
Muitas
vezes, acessei e li o portal Catraca Livre, criado por ele, nos anos 90, acredito.
Saí
da área de vendedor de jornais, revistas, flamas e bandeiras do Cruzeiro
Esporte Clube (de outros times também) – Aliás, como chorei, Roberto Batata,
ponta direita, a tua morte – livros de bolso, fichas telefônicas etc.. Mas não
vi o Tostão, hoje o médico Eduardo Gonçalves, jogar nem no Cruzeiro e nem no
Vasco. Time este, que tinha um grande jogar, o Armando Marques, as faltas prô
Cruzeiro passavam a ser do cruzmaltino, assim eu achava. Em verdade o saudoso
Armando Marques era um dos bons juízes de futebol que então tínhamos.
Hoje,
em São Sebastião, no Agreste alagoano, soube da morte do Dimenstein. Como soube
de muitas mortes, inclusive, parentes nessa semana, pensei que a morte dele era
pela pandemia Covid-19.
Mas foi por outra doença, também terrível e enfrentável
por qualquer um de nós, mesmo nos tornando destruidores da nossa mãe comum, diria
frei Leonardo Boff, em seus santos alertas a supostos cristãos e cristãs.
Mãe
de todos e de todas nós: Natureza!
Como
bilhões de mães, ela pede socorro e reage.
Assim,
as minhas lembranças e homenagens a Gilberto Dimenstein, mesmo tendo se tornado, como muitos outros e outras,
bolsonarista por um pequeno período, acredito.
Coloco aqui uma matéria de quem
o conheceu de perto. Uma grande jornalista, como ele, Cynara Menezes, publicada
no portal Brasil 247:
“Morre Gilberto Dimenstein, o Carl Bernstein de toda
uma geração de jornalistas
"Encontrar um propósito na vida e nos tornar
seres humanos melhores: só pode ser esse o significado de estarmos enterrando
tantas pessoas queridas em um período tão triste da nossa História",
escreve a jornalista Cynara Menezes sobre a morte do jornalista Gilberto
Dimenstein
A partir da segunda metade da década de 1980, todo
estudante de jornalismo no país sonhava trabalhar na Folha de S.Paulo, o
“jornal das Diretas-Já”, e ser o Gilberto Dimenstein (1956-2020). Com este
sobrenome marcante de origem polonesa que muita gente fala errado até hoje,
Gilberto se tornara o epíteto do repórter intrépido perseguidor de “furos”, o Carl Bernstein brasileiro para toda uma geração
de jornalistas. Bernstein, Dimenstein. Até rima (mas a pronúncia é diferente:
“bernstín” e “dimenstáin”).
Encontrar
um propósito na vida e nos tornar seres humanos melhores: só pode ser esse o
significado de estarmos enterrando tantas pessoas queridas em um período tão
triste da nossa História
Em 1989, eu tinha 22 anos e dois de formada pela
UFBA quando decidi ir para Brasília arriscar a vida e tentar, como todo mundo,
virar repórter da Folha. Depois de alguns meses como estagiária na
revista IstoÉ/Senhor, pedi a Bob Fernandes, o diretor de redação, que me
indicasse para Gilberto Dimenstein, então diretor da sucursal de Brasília, ao
lado de Josias de Souza. Bob, sabedor da influência de Dimenstein sobre nós,
focas, tirou onda:
–Vai falar com Deus, hein?
De fato foi com as pernas bambas e o coração a mil
que me dirigi, currículo em punho, até a antiga sede da sucursal, na quadra 104
Sul. Mas Gilberto me recebeu em sua sala e logo quebrou o gelo, muito simpático
com sua fala mansa e mexendo no cabelo num auto-cafuné que para mim é sua
marca, e chamou Josias para me conhecer. Acabei sendo contratada e, embora
desta primeira vez tenha ficado pouco tempo,
este seria o início de uma relação de 15 anos com a Folha, entre idas e
vindas. Sempre que me via, Gilberto dizia que eu nunca devia ter deixado o
jornal.
Ele mesmo foi deixando a Folha aos poucos,
até porque perdeu logo o tesão para as matérias investigativas e partiu para um
jornalismo de cunho social, de defesa dos direitos humanos e da infância. Em
São Paulo voltamos a nos encontrar, Gilberto já à frente do projeto Aprendiz,
que fundou no final da década de 1990 na Vila Madalena, voltado à educação de
jovens carentes pela arte, e depois, do site Catraca Livre. Virou
vegetariano, comprou uma bicicleta, deixou a carta de motorista vencer e passou
a circular a pé, de metrô ou de carona com a mulher, Anna Penido.
Dimenstein poderia ter se tornado um repórter ainda
mais famoso (e poderoso) do que foi, comentarista de TV onde desejasse, mas fez
a opção por ser alternativo –e, diga-se de passagem, também foi multipremiado
pela atuação social. Alguns de nossos colegas viam na decisão uma guinada
motivada pela vaidade. Vaidade? E quem não é vaidoso nessa profissão, gente?
Como se a inveja também não fosse muita…
Eu honestamente nunca vi Gilberto Dimenstein
dedicado a alguma causa que não fosse voltada para o bem comum e para o Brasil.
Não é à toa a raiva que ele sentia, nos últimos anos de vida, por ver Jair
Bolsonaro e Donald Trump no poder, uma raiva que era, segundo disse em entrevista a Juliana Linhares, no
UOL, até motivadora, porque o fazia levantar da cama todas as manhãs
para reagir, nem que fosse através de uma postagem no twitter.
Discordamos politicamente muitas vezes, mas é
impossível deixar de reconhecer que Gilberto manteve até o fim uma postura
progressista, ética e íntegra diante da vida e do jornalismo.
De longe, acompanhei sua batalha contra a
doença, que enfrentou com absoluta dignidade e um humor auto-depreciativo meio
surpreendente para quem o conhecia, mas tipicamente judaico, como quando
contou, sobre tomar canabidiol para aliviar a quimioterapia: “Exagerei na dose
e apaguei com a cara no prato de lasanha”, riu. Dizia ter descoberto o amor de
verdade graças à mulher, Anna, e lamentava não ter tido olhos e ouvidos para
apreciar mais a música, o cinema e a arte em geral enquanto tinha saúde e
juventude, sugado pela pressa e pela ansiedade características dos jornalistas.
Não têm sido fáceis estes dias de pandemia e de
Bolsonaro na vida dos brasileiros e posso presumir como deve estar sendo
terrível para quem, como Gilberto Dimenstein, ainda enfrentava um câncer
incurável. Em dezembro do ano passado, num depoimento em primeira pessoa após o
diagnóstico do tumor no pâncreas, a Ana Estela de Sousa Pinto, na Folha, o repórter
confessava seus pecados e falava da busca por ser uma pessoa melhor.
“Grande parte da minha vida foi marcada pelo culto
a bobagens: ganhar prêmio, assinar matéria na capa, o tempo todo pensando no
próximo furo. É como se estivesse passando por um lugar lindo num trem em alta
velocidade, vendo tudo borrado”, disse. “Descobri que meu pavor era passar a
vida sem propósito. Olhei para trás, e, apesar de todas as minhas delinquências
—que não foram poucas—, acho que fiz mais bem que mal. Mudei minha carreira
para fazer um jornalismo que não é de filantropia nem altruísmo, mas de
empoderamento, de usar a comunicação para promover causas.”
Encontrar um propósito na vida e nos tornar seres
humanos melhores: só pode ser esse o significado de estarmos enterrando tantas
pessoas queridas em um período tão triste de nossa história. Vá em paz, amigo.”
https://www.brasil247.com/blog/morre-gilberto-dimenstein-o-carl-bernstein-de-toda-uma-geracao-de-jornalistas